Postada por Redação em 17 de janeiro de 2009 09:13

Falou em sangue, é verdade que há muito sangue por aí. Sangue dos assaltados, dos chacinados, dos executados. Afinal, isso aqui não é a Suíça. E nem queremos ser suíços, Deus nos livre e guarde! Relógio de ponto, chegar no horário certo, marcar um horário e cumprir? Ah, isso é uma afronta, um desrespeito ao nosso senso de liberdade, que, afinal, é um dos mais altos de todo o Universo. Não se esqueçam que ainda outro dia estávamos nus, andando nas selvas, com nossos tacapes e bordunas. Essas firulas de civilizados nos espantam e molestam. Queremos é a liberdade total. Pra que lei, pra que ordem? Pra que polícia, Justiça pra quê? A Justiça é a minha vontade, que eu quero fazer e tá acabado. Lei é a minha.
Cada um faz o que quer e a bagunça continua. Ah, que delícia uma boa bagunça! Vejam o trânsito, a zoada nas lojas e shoppings: o bum-bum-bum que não para. Afinal, pra que esses gringos vêm pra cá senão pra aproveitar a nossa bagunça? Em qualquer outro lugar do mundo já estariam presos. Aqui não, são estimados e até condecorados. Voltem sempre!
Nós, baianos, há tempo que pelejamos pra nos libertarmos de todas essas esquisitices européias e portuguesas que pululavam por aqui. Tomar banho só no sábado? De jeito nenhum. Ficar falando “pois, pois”? De jeito nenhum. Botar os dedinhos na frente na hora de bocejar? Não. A última moda é abrir bem a bocarra na cara do vizinho, e se possível ainda fazer um ruído compatível, r-r-r-o-o-a-a-r-r, algo semelhante a um leão se espreguiçando — uma demonstração inequívoca de boa saúde. Arrotos também são sempre bem-vindos. Ah, e buzinar bem alto, pra chamar a namorada lá no décimo quinto andar…
Nesse particular somos mestres. Todo mundo buzina. É o povo mais alegre do mundo. Fó-fó-fi-fi-fi o tempo todo. Todo mundo usando a sua buzina. Mas isso se explica: ainda outro dia estávamos na selva, dando nossos uivos e urros, competindo com os animais, as onças, macacos, papagaios, os jacarés dos rios bravios…
No mais, tangas nas praias. Tatuagens indígenas nas peles morenas. Paletó e gravata abolidos, todo mundo com as canelas de fora. Argolas e brincos, inclusive nas orelhas dos morubixabas. Butucas de metal no nariz, na sobrancelha e no umbigo. Segunda-feira ninguém trabalha. Sexta-feira também não. Uma carinha de sono nas terças, quartas e quintas.
Ah, que delícia uma boa bagunça! Vejam o trânsito! A zoada nas lojas e shoppings: o bum-bum-bum que não para! As filas sem fim nos bancos! Todo mundo escuro, moreno, escurinho, escurão. Cor de chocolate. Café com leite. A brancura repugna, estranha: não será que essa mulé tá doente?, que esse cavalheiro tá tuberculoso?
Todo mundo queimado de sol, o sol imperando, o sol da vida. Gelado só sorvete. Praias de água morna. Todo dia é dia de praia. De festa. De cerveja. Viva a dança da galinha!
Estamos todos na taba dos índios. Pedindo a benção ao pajé, ao morubixaba. O morubixaba nunca acaba. Tá aí, presente no nosso analfabetismo, na grossura generalizada, os arranca-tocos e arranca-rabos, a burrice diplomada, as “faculdades” despejando nulidades, cada um com seu anel. Um anel pra botar no nariz. Ou na orelha, virar brinco. E viva o Brasil, que é a terra de nós todos, tapuias e tupis-guaranis.
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