"PARA TUDO"

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Oitava Dimensão

“E foi no oitavo dia…” 

Assim começa a seção de Shemini da Torá (“O Oitavo”) que descreve os eventos do dia em que o Mishcan, o Santuário portátil construído pelo povo de Israel no Deserto do Sinai foi inaugurado. 

Foi no “oitavo dia” porque seguiu-se a um período de treinamento de sete dias, durante os quais o Mishcan era construído a cada manhã e desmontado a cada noite, e Aharon e seus quatro filhos foram iniciados na kehuná (sacerdócio). Porém foi também um dia que nossos Sábios descrevem como possuindo muitos “primeiros”: foi um domingo, primeiro dia da semana; era 1º de Nissan, assinalando o início de um novo ano; foi o primeiro dia em que a Presença Divina foi habitar o Santuário; o primeiro dia da kehuná; o primeiro dia do serviço no Santuário; e assim por diante. Existe até uma opinião de que este foi o aniversário da criação do universo.

Com tantos “primeiros” associados a este dia, por que a Torá se refere a ele – e por extensão, a toda a Parashá – como “o oitavo dia”?

O Ciclo

O número sete figura proeminentemente em nossa contagem e experiência de tempo. Mais familiar, obviamente, é o ciclo de trabalho/descanso de sete dias que compreende nossa semana, em reencenação dos Sete Dias da Criação originais quando “em seis dias, D’us criou os céus e a terra… e no sétimo Ele descansou” (Shemot 20:11). Cada Shabat, então, completa um ciclo completo de tempo, após o qual começamos novamente a partir de Yom Rishon, “o primeiro dia” – como domingo é chamado no Idioma Sagrado.

É por isso que muitos ciclos de observância judaica duram sete dias. Duas festas de sete dias enfeitam nosso ano – Pêssach, que vai de 15 a 21 de Nissan, e Sucot, ocorrendo exatamente seis meses depois, de 15 a 21 de Tishrei. Um casamento é celebrado com uma semana inteira com sheva berachot (sete bênçãos), e a morte de um ente querido, D’us não o permita, é pranteada por sete dias (shivá). Assim a liberdade de Pêssach, a alegria de Sucot, o vínculo do casamento e o conforto da perda estão assimilados em todas as sete dimensões do tempo criado.

Nossos anos, também, seguem o ciclo da criação: seis anos de dias de trabalho são sucedidos por um ano sabático de shemitá (suspensão). Na Terra de Israel, todo o trabalho agrícola é suspenso no sétimo ano e a produção da terra é declarada livre para todos apanharem sua colheita. 

Finalmente, nossos Sábios descrevem o total da história humana como uma semana de sete milênios, consistindo de 6.000 anos de trabalho humano desenvolvendo o mundo de D’us e um sétimo milênio que é totalmente Shabat e descanso, para o resto da vida – a era de Mashiach.

Os cabalistas explicam que os Sete Dias da Criação incorporam as sete sefirot (atributos Divinos) que D’us emanou para definir e caracterizar Seu relacionamento com nossa existência. Portanto sete não é apenas o número elementar de tempo, mas de toda coisa criada e da realidade criada como um todo. Isso é especialmente verdadeiro sobre o ser humano, que foi criado à imagem de D’us; o caráter humano é formado de sete impulsos (amor, restrição, harmonia, ambição, devoção, conexão e receptividade), espelhando os sete atributos que D’us assumiu como Criador do universo. 

Matéria e Espírito 
Cada uma das sete unidades da semana incorpora as características específicas de sua respectiva sefirá. Porém em termos mais gerais, o ciclo consiste de duas fases primárias: mundanidade (chol) e santidade (kedushá). 

Seis dias de trabalho mundano são seguidos por um dia de repouso espiritual; seis anos de trabalho na terra, por um ano de suspensão e desapego ao material; seis milênios devotados à luta e ao desenvolvimento do mundo físico, por um sétimo milênio no qual a única ocupação do mundo inteiro será o conhecimento de D’us.

A palavra da Torá para sagrado, kedushá, literalmente significa removido e afastado. Seus nomes para o sétimo dia, shabat, e para o sétimo ano, shemitá, significam respectivamente cessação e suspensão. A santidade exige completa separação de todos os envolvimentos materiais. Para vivenciar a santidade e a espiritualidade do Shabat, devemos cessar todo o trabalho material; a fim de atingir a santidade da terra no ano shemitá, devemos suspender todo o trabalho físico sobre o solo e todas as alegações de propriedade sobre sua produção; para experimentar a Divina bondade e perfeição de nosso mundo na era de Mashiach, devemos primeiro atingir um estado no qual não haja inveja nem competição pela sua riqueza material. [Isso não equivale a dizer que o Shabat não tem efeito sobre o resto da semana, que o ano shemitá não influencia profundamente o relacionamento do fazendeiro com sua terra durante os outros seis anos do ciclo, ou que a era de Mashiach esteja divorciada das gerações de trabalho diário da história. Pelo contrário, a função primária desses shabatot é prover visão espiritual, fortaleza e propósito aos períodos mundanos de seu ciclo. Porém a fim de fazê-lo, eles devem ser mantidos distintos e à parte, É somente quando os limites entre o sagrado e o mundano são estritamente forçados que podemos experimentar a santidade em nossa vida, e então expandir sua visão e influência para todos os esforços mundanos.]

Apesar de sua natureza transcendente, o sétimo dia, ano e milênio são partes constituintes do ciclo de criação. Materialidade e espiritualidade podem diferir grandemente – a ponto, até, de mútua exclusividade – porém todas são partes da natureza, governados pela estrutura das leis que definem a realidade criada.

Na verdade, o próprio fato de que a santidade exige a cessação e a suspensão de todas as coisas mundanas indica que ela, também, tem seus limites. Isso significa que assim como existe uma natureza física que define e delimita o escopo das coisas e forças naturais, também o âmbito do espiritual tem sua natureza – seu próprio conjunto de leis que definem o que é e o que não é, onde pode e onde não pode existir e de qual maneira pode ser sentido além dos seus limites invioláveis. Portanto embora o conceito de transcendência pareça a antítese da definição, transcendência é uma definição em si mesma, pois define (e assim confina) a si mesma como além e distinta do material.

Isso oferece uma visão para uma passagem importante na narrativa da Torá sobre a criação. Em Bereshit 2:2 lemos: “E D’us concluiu no sétimo dia a obra que tinha feito.” Isso parece contradizer a segunda parte daquele mesmo versículo que diz: “E Ele descansou no sétimo dia de toda a obra que Ele tinha feito.” Se o trabalho da criação estava concluído no sétimo dia, então o sétimo dia foi um dos dias da criação; porém se o sétimo dia é o dia no qual D’us descansou de toda a obra que tinha feito, houve somente seis dias de criação, e um sétimo dia de Shabat – cessação do trabalho.

Nossos Sábios explicam: De que o mundo estava precisando? Descanso. Quando chegou o Shabat, veio o descanso. Repouso – transcendência e espiritualidade – é uma criação em si mesmo. Embora removido da natureza do material, é parte de uma natureza maior – a natureza da realidade criada, que inclui o reino do espiritual bem como o material.

Círculo e Circunferência
Se o número sete define a realidade natural, o oito representa aquilo que é mais elevado que a natureza, a circunferência que abrange o ciclo da criação. 

O sete inclui tanto matéria quanto espírito, mundanidade e santidade, envolvimento e transcendência, mas como componentes separados e distintos do ciclo da criação; a setima dimensão exercerá sua influência sobre as outras seis, mas somente de maneira transcendente – como uma realidade espiritual, fora deste mundo, que jamais será realmente interiorizada e integrada no sistema. Em contraste, o oito representa a introdução de uma realidade que está além de toda a natureza e definição, incluindo a definição transcendência. Esta oitava dimensão (se é que podemos chamá-la de dimensão) não tem quaisquer limitações; transcende e permeia, estando além da natureza porém completamente presente dentro dela, estando igualmente além da matéria e do espírito e também dentro deles.

Portanto o pacto da circuncisão, que une o judeu a D’us num vínculo que supera toda a natureza e convenção enquanto permeia cada cantinho e pedaço da vida, é realizado no oitavo dia de vida. A Festa de Shemini Atseret (Oitavo Dia de retenção), cuja função é interiorizar a transcendente luz da sucá, ocorre no oitavo dia após os sete dias de Sucot. Sete ciclos shemitá são são seguidos por um ano jubileu caracterizado pela liberdade (i.e., liberdade de todos os limites) em vez de apenas suspensão. E o Mishcan, Santuário, cujo papel era tornar a realidade infinita de D'us uma presença habitando no mundo físico, foi inaugurado no oitavo dia, seguindo-se a um período de treinamento de sete dias.

Como prova disso, o messiânico sétimo milênio da história será seguido pelo supremo “oito”: o supra-histórico Mundo Vindouro (Olam Habá), no qual a realidade Divina se unirá com a realidade criada em maneiras que nem sequer podemos especular, num mundo no qual finito e infinito são mutuamente exclusivos. Nas palavras do Talmud, “Todos os profetas profetizaram somente sobre os dias de Mashiach.”

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