"PARA TUDO"

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O interior da Terra




Leila Soares Marques
Professora do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP


A constituição e os processos que ocorrem no interior e na superfície terrestre sempre despertaram grande curiosidade e certo fascínio na humanidade. Devido ao fato de a Terra ser inacessível para a observação direta do seu interior, muitas especulações, geralmente associadas a crenças religiosas, fizeram com que o conhecimento da sua origem, constituição, estado físico e evolução progredisse muito lentamente. Ainda no início do século XVII acreditava-se que a Terra possuía cerca de 6.000 anos, idade esta baseada em relatos bíblicos e especulações de antigos filósofos gregos.
Entre os séculos XVII e XVIII ocorreu um certo avanço sobre o conhecimento da Terra. Entretanto, no final desse período acreditava-se ainda que seu interior era constituído por inúmeros túneis, conectados entre si a câmaras preenchidas com os materiais expelidos pelos vulcões. Estes representavam os pontos de ligação entre a superfície terrestre e o interior profundo. No início do século XIX, quando as primeiras minas e poços mais profundos foram perfurados, foi comprovado que há um aumento significativo da temperatura com a profundidade. Lord Kelvin (1824-1907), físico muito conceituado na época, utilizou a taxa de aumento da temperatura com a profundidade, observada em minas, para supor que a Terra formou-se pelo resfriamento de uma massa em fusão e para calcular que o tempo necessário para atingir a temperatura atual deveria ser no máximo de cerca de 100 milhões de anos. Essa idade era contestada por cientistas da época, que a consideravam muito pequena para explicar a evolução dos seres vivos e dos estratos geológicos.
A descoberta da radioatividade, em 1896, por Henri Becquerel, promoveu um grande progresso no que se refere ao conhecimento da idade da Terra, pois em 1903 o casal Pierre e Marie Curie mostrou que no processo de decaimento radioativo há geração de calor. Portanto, a idade obtida por Kelvin necessitava ser revista, pois em seus cálculos esse importante fator não havia sido computado.
Foi, no entanto, no século XX que ocorreu uma grande revolução sobre a origem, constituição e evolução do nosso planeta. A datação radiométrica é o método utilizado atualmente para a determinação da idade das rochas e, através dele, sabemos hoje que a Terra possui 4,5 bilhões de anos. Foi nesse século que a geofísica estabeleceu-se como ciência, permitindo a obtenção das informações de que dispomos hoje sobre o interior terrestre, as quais são baseadas na propagação de ondas sísmicas produzidas por tremores de terra, em medidas tanto do calor emitido em sua superfície, como também dos campos magnético e de gravidade.
Essas determinações permitiram verificar que a Terra não é internamente homogênea, tanto sob o ponto de vista composicional, como também quanto ao estado físico, sendo composta essencialmente por quatro camadas esféricas e concêntricas. Os dados geofísicos, principalmente os obtidos através da sismologia, mostram que a Terra possui um núcleo interno com raio de 1.250 km composto por um material de alta densidade (12,6 a 13,0 g/cm3) no estado sólido, o qual é envolto por uma outra camada, denominada de núcleo externo, constituída por um material com densidade um pouco menor (9,9 a 12,2 g/cm3) e com 2.200 km de espessura, cujo estado é líquido.
O manto é a camada que envolve o núcleo, seu estado é sólido, sua espessura é de cerca de 2.900 km e sua densidade é bem menor que a do núcleo, variando de 3,5 a 5,5 g/cm3. A crosta é a camada sólida superficial e a mais conhecida da Terra, possui densidade de cerca de 2,7 a 2,9 g/cm3 e espessura em torno de 6 km em áreas oceânicas e de 35 km em áreas continentais, podendo atingir valores de até 80 km sob cadeias montanhosas, como por exemplo nos Andes e no Himalaia. A proporção em volume de cada uma dessas camadas é semelhante ao que se observa em um ovo cozido, sendo que o núcleo (interno e externo) corresponde à proporção ocupada pela gema, o manto à da clara endurecida, e a crosta à da casca.
As diferenças na densidade e no estado físico dessas camadas indicam que essas regiões são composicionalmente muito distintas e sua origem é diretamente relacionada à formação e evolução geológica da Terra, sendo que altas temperaturas foram essenciais para o desenvolvimento dessa estrutura.

A ORIGEM DA TERRA
A Terra é uma unidade do sistema solar que se formou a partir de uma nebulosa fria, com temperaturas pouco acima do zero absoluto. Sob essas condições, grande parte da matéria, incluindo certos elementos que normalmente ocorrem como gases, encontrava-se no estado sólido. Essa nuvem, formada por bilhões de pequenas partículas sólidas e material gasoso, com composição aproximadamente igual à do Sol, entrou em contração gravitacional há cerca de 4,6-4,7 bilhões de anos. A contração causou aumento da densidade e resultou na agregação dessa matéria, dando origem aos planetas.
Esse processo de agregação da matéria para a formação dos planetas é denominado de acresção e ocorreu em vários estágios, originando gerações de corpos progressivamente maiores. Esses corpos são denominados deplanetesimais e suas dimensões variavam desde poucos metros a até tamanhos semelhantes ao do planeta Marte.
Nos primeiros estágios da acresção formaram-se corpos de tamanhos centimétricos, os quais, por sucessivos processos de colisão e aglutinação, originaram planetesimais com diâmetros de poucos quilômetros. Esse processo prosseguiu até o ponto em que esses corpos apresentassem massa suficiente para atrair uns aos outros, devido a forças gravitacionais, originando uma outra geração de planetesimais, com diâmetros entre dezenas e centenas de quilômetros. A partir desse momento, os planetesimais maiores começaram a atuar como grandes "aspiradores", atraindo todos os corpos menores e a matéria ainda remanescente que se encontrava no campo de atuação dessas forças.
Resultados de simulações efetuadas por computador indicam que na zona em que se originaram os quatro planetas mais próximos ao Sol (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte) havia cerca de 100 planetesimais com dimensões da Lua, 10 do tamanho de Mercúrio e de 3 a 5 com as dimensões de Marte. Vênus e a Terra incorporaram a maioria deles, já que Marte e Mercúrio são bem menores. Embora o processo de acresção tenha sido muito mais intenso no passado, não podemos afirmar que tenha cessado completamente. Uma prova disso é que meteoritos caem freqüentemente na superfície terrestre, os quais, quando observados em queda, são popularmente denominados de "estrelas cadentes". Além disso, mesmo sendo desprezível em comparação com a massa da Terra (6,0 x 1024kg), a quantidade de material extraterrestre, principalmente na forma de poeira cósmica, que cai diariamente sobre a superfície do nosso planeta varia entre 100 e 1.000 toneladas.

A COMPOSIÇÃO DA TERRA
As informações extraterrestres foram fundamentais para a obtenção de informações acerca da composição da Terra, especialmente dados de meteoritos. Esses corpos geralmente são provenientes de uma região, denominada de Cinturão de Asteróides, situada entre as órbitas de Marte e Júpiter. Os asteróides são por vezes desviados de suas órbitas e acabam caindo na Terra, na Lua e em outros planetas e satélites naturais do sistema solar, formando grandes crateras.
Os estudos realizados nos meteoritos permitiram identificar grupos com características químicas muito distintas. Os corpos do grupo mais abundante são denominados de condritos e possuem composição rochosa, ou seja, são compostos principalmente por oxigênio (32%), ferro (25%), silício (14,5%), magnésio (12,5%), enxofre (8%) e níquel (2,4%). Além desses elementos químicos, esses meteoritos são caracterizados também por apresentarem conteúdos relativamente elevados de água e carbono inorgânico, que indicam que esse grupo não sofreu aquecimento superior a 180ºC e que, portanto, devem possuir a mesma composição do material primordial que originou a Terra e os outros planetas mais próximos do Sol (Mercúrio, Vênus e Marte).
Com base nas informações dos meteoritos, admite-se, de uma maneira bem simplificada, que a Terra primitiva era homogênea, formou-se em baixas temperaturas e possuía a mesma composição dos condritos. Portanto, se a Terra era inicialmente homogênea, deve ter ocorrido algum processo posterior que tenha gerado as camadas concêntricas e com diferentes densidades presentes em seu interior, conforme evidenciado pelos estudos sismológicos.
A estruturação em camadas concêntricas da Terra
Acredita-se que, nos primeiros 500 milhões de anos da história da Terra, havia uma "chuva" contínua de planetesimais, gerando no impacto uma enorme quantidade de calor e, conseqüentemente, provocando um aumento significativo da temperatura. A cada choque formava-se uma camada de poeira e fragmentos de diversos tamanhos que encobria as camadas anteriores. Como os materiais rochosos (silicatos) possuem condutividade térmica baixa, uma parte significativa do calor produzido foi sendo armazenada nas partes mais profundas da Terra, o que fez a sua temperatura aumentar progressivamente.
A atmosfera terrestre atua hoje como uma espécie de blindagem contra a queda de corpos extraterrestres, destruindo os menores e/ou diminuindo a velocidade de impacto dos maiores. Como a Terra primitiva não possuía atmosfera, o grande número de impactos em sua superfície provocou um aumento ainda maior da temperatura nas fases iniciais do planeta. Como exemplo de produção de calor devido ao impacto podemos citar a Cratera do Arizona (EUA), com diâmetro de 1,1 km, que foi formada quando um corpo com um raio de cerca de 23 m, massa de 300 mil toneladas e velocidade de 18 km/h, chocou-se com a Terra há cerca de 45 mil anos. Nesse choque houve a liberação de energia equivalente a 20 milhões de toneladas de TNT, ou seja, mil vezes maior que a da bomba de Hiroshima. Estudos das rochas que ocorrem no interior da cratera e ao seu redor indicam que a temperatura atingida no momento do impacto foi de pelo menos de 700ºC.
Embora não haja mais registros superficiais desse processo, devido à dinâmica interna e externa do planeta, o maior impacto sofrido pela Terra ocorreu logo após a fase principal de acresção, quando um corpo com massa semelhante à do planeta Marte colidiu com o nosso planeta e, nesse choque, foi originada a Lua. Na colisão esse corpo praticamente foi pulverizado e sua matéria mais densa acabou sendo incorporada na Terra, enquanto as menos densas acabaram sendo aglutinadas formando a Lua. Dessa forma, é assim explicado o fato de que a Terra é o planeta de maior densidade (5,5 g/cm3) do sistema solar, enquanto a Lua apresenta densidade bem mais baixa (3,34 g/cm3).
À medida que a Terra foi aumentando de tamanho devido ao processo de acresção, a atração gravitacional foi tornando-se cada vez maior e a parte interna foi ficando fortemente compactada e densa, como resultado do aumento de pressão. Esse processo promoveu também um aumento significativo da temperatura em seu interior profundo. Estima-se que a acresção e o processo de compressão foram responsáveis por um aumento de temperatura da ordem de 1.000 a 1.200°C na parte mais interna da Terra.
Conforme foi demonstrado pelo casal Curie, a radioatividade gera calor. As partículas emitidas pelos isótopos radioativos são absorvidas pelo meio circundante, que também absorve a energia liberada pelo recuo dos núcleos emissores, havendo a transformação de energia cinética em calor.
Embora todos os elementos radioativos produzam calor, os principais isótopos radioativos responsáveis pela produção atual de calor na Terra são 238U, 235U, 232Th e 40K. Esses radioisótopos apresentam meias-vidas da ordem de 1 a 10 bilhões de anos, ou seja, após um intervalo de tempo dessa magnitude, a abundância de cada um deles diminui à metade do valor inicial. Dessa forma, considerando que a Terra possui 4,5 bilhões de anos, as concentrações desses radioisótopos são ainda hoje suficientemente elevadas para gerar constantemente calor. Caso não houvesse a produção de calor radiogênico, não haveria mais atividade geológica em nosso planeta, como, por exemplo, terremotos e vulcanismo.
O calor radiogênico foi também importantíssimo para o aumento de temperatura nas fases iniciais de formação da Terra. Além da produção de calor por urânio, tório e potássio, havia outros radioisótopos de meias-vidas mais curtas, como o 26Al, que contribuíram significativamente na produção de calor, mas que agora estão extintos.
Devido a todos os processos descritos anteriormente acredita-se que, cerca de 1 bilhão de anos após o início da formação da Terra, a temperatura atingiu valores entre 1.000°C e 1.800°C, sob profundidades em torno de 500 a 700 km. Essas temperaturas foram suficientes para a fusão do ferro metálico presente, o qual se tornou móvel e devido à sua alta densidade foi deslocando-se progressivamente para o interior da Terra, enquanto os materiais menos densos (silicatos e outros compostos contendo oxigênio, água e gases) migraram para as regiões mais superficiais, sendo que boa parte de elementos e compostos voláteis foram perdidos.
Esse processo é denominado de "catástrofe do ferro" e gerou também uma enorme quantidade de calor pela transformação da energia potencial gravitacional do ferro, que migrou para o centro da Terra. Cálculos demonstram que esse processo foi responsável pelo aumento de 1.500 a 2.000°C, fazendo com que uma boa parte do material dos silicatos que constituíam o nosso planeta também entrasse em fusão. Após a catástrofe do ferro, a Terra, que inicialmente era homogênea, tornou-se quimicamente estratificada, ou seja, diferenciada.
Uma vez que houve um episódio de alta temperatura na Terra, sua composição, que era originalmente igual à dos meteoritos condríticos, foi modificada devido à perda de gases através de intenso vulcanismo. Dessa forma, admite-se hoje que a composição da Terra é condrítica, exceto no conteúdo de voláteis, como, por exemplo, vapor de água, dióxido de carbono, metano e amônia. Esses gases deram origem à atmosfera primitiva da Terra.
Os dados geofísicos mostram que a Terra possui um núcleo constituído basicamente por ferro metálico, envolto por um material rochoso de menor densidade, que constitui o manto e a crosta. A existência de ferro no núcleo terrestre é também corroborada pela existência de um grupo de meteoritos, denominados de sideritos, essencialmente constituídos por ferro e níquel metálicos, sendo que este último representa cerca de 15% da liga. Os sideritos representam porções do núcleo de planetesimais, com diâmetros entre 140 e 400 km, que após sofrerem aquecimento e diferenciação foram fragmentados e acabaram caindo na superfície terrestre.
As densidades do núcleo interno da Terra reforçam que o níquel deve estar também presente nessa região na mesma proporção observada nos meteoritos. Os dados geofísicos, especialmente informações provenientes das ondas sísmicas que se propagam no interior terrestre, mostram também que o núcleo interno é sólido e que o externo é líquido, sendo que neste último é gerado o campo geomagnético.
A geração do campo magnético terrestre requer energia e sabe-se hoje que a principal fonte de energia é o movimento do fluido de baixa viscosidade e condutor de eletricidade que compõe o núcleo externo. Esse movimento é denominado de convecção gravitacional e é causado pelo próprio resfriamento do núcleo, com a cristalização de ligas metálicas de ferro e níquel, que, por serem mais densas que o fluido, mergulham em direção ao centro da Terra, enquanto o material menos denso, que constitui o núcleo externo composto principalmente por ferro, níquel e enxofre, migra para as regiões mais superficiais, junto à interface manto-núcleo, a qual é denominada de Descontinuidade de Gutenberg. É importante destacar que sulfetos de ferro e níquel apresentam menores temperaturas de fusão que a liga metálica de ferro e níquel, explicando assim o fato de o núcleo externo ser líquido e o núcleo interno, sólido.
A indicação de que já havia campo geomagnético há cerca de 3,5 bilhões de anos, conforme registro deixado em rochas dessa idade, mostra que a convecção do núcleo externo é um processo que ocorre desde as fases iniciais do planeta. Através dele o núcleo externo está atualmente diminuindo, enquanto o núcleo interno está aumentando.
Ao mesmo tempo que a "catástrofe do ferro" estava ocorrendo, com a liberação de grande quantidade de calor, houve intenso vulcanismo na superfície da Terra, com a extrusão de grandes quantidades de lava, que após resfriamento deram origem à crosta primitiva. Devido às características geoquímicas dos elementos presentes no manto primitivo, a crosta primordial possuía densidade menor que a do manto, apresentando maiores concentrações de silício, alumínio, sódio, potássio, dentre outros. A continuidade desse processo, incluindo também refusão da própria crosta, fez com que ela fosse ficando cada vez mais distinta do manto ao longo do tempo geológico, ou seja, cada vez mais diferenciada. Atualmente, os principais elementos que constituem a crosta são: oxigênio (46%), silício (28%), alumínio (8%), ferro (6%), magnésio (4%), cálcio (2,4%), potássio (2,3%) sódio (2,1%), sendo que os demais elementos perfazem o total restante (< 1%).
Como a Terra é um sistema dinâmico e também pelo fato de ter sido muito bombardeada por planetesimais em sua fase inicial, a crosta primitiva desapareceu completamente. Datações radiométricas mostram que as rochas crustais mais antigas possuem idade de 3,96 bilhões de anos. Entretanto, datações efetuadas em zircões, que são minerais muito resistentes ao intemperismo, indicam que já havia crosta continental há cerca de 4,1 a 4,2 bilhões de anos, ou seja, segmentos crustais formaram-se bem no início da história da Terra.
Atualmente há uma diferença bem marcante entre a composição química e mineralógica da crosta e do manto. O limite que separa essas duas regiões é denominado de Descontinuidade de Mohorovicic, ou apenas Moho, dado em homenagem ao sismólogo croata Andrija Mohorovicic, que foi o primeiro a identificar a existência dessa interface em 1909.
Sabemos hoje que a crosta não é homogênea, podendo ser dividida em dois grandes domínios. A crosta oceânica é constituída por rochas basálticas, apresentando densidades de 2,9 g/cm3, espessura média em torno de 6 km e idades máximas de 180 milhões de anos, que são muito pequenas em comparação com a idade da Terra. Por outro lado, a crosta continental possui densidade de cerca de 2,7 g/cm3 e espessura que varia de 20 a 80 km, e é constituída por diferentes tipos de rochas (ígneas, sedimentares e metamórficas) que se formaram ao longo do tempo geológico, sendo as mais antigas encontradas no Canadá (Gnaisse de Acasta), com idade de 3,96 bilhões de anos. Abaixo da crosta encontra-se o manto, composto por silicatos mais densos devido às maiores concentrações de ferro e magnésio, cujas rochas são denominadas de peridotitos.
A estrutura dinâmica da Terra
A Terra está continuamente perdendo calor, sendo que grande parte dos processos que ocorrem na sua superfície, como, por exemplo, a atividade vulcânica e a ocorrência de terremotos, é resultante desse processo.
Dados obtidos em furos de sondagem mostram um aumento progressivo da temperatura em função da profundidade, com um acréscimo de 30 a 40°C por quilômetro em regiões crustais, podendo atingir cerca de 5.500°C no núcleo. Considerando que a Terra possui um raio de cerca de 6.350 km, é evidente que deve haver uma diminuição na taxa de aumento da temperatura com a profundidade, pois, caso contrário, a temperatura no seu interior seria tão alta que praticamente toda a Terra estaria no estado líquido, contrariando os dados geofísicos que mostram que o núcleo interno, o manto e a crosta são sólidos.
A taxa de aumento da temperatura depende, dentre outros fatores, da condutividade térmica dos materiais que compõem cada uma das camadas do interior terrestre. Assim, no núcleo a taxa de aumento da temperatura com a profundidade é bem menor do que a do manto, pois os metais são bons condutores de calor, enquanto os silicatos apresentam baixa condutividade térmica.
As altas temperaturas existentes no interior da Terra fazem com que a matéria, além de apresentar diferenças de estado físico, possua propriedades mecânicas distintas. A mudança no comportamento mecânico é o que propicia a geração de movimentos de convecção no manto, que é o modo mais eficiente de transferência de calor da parte mais profunda para a superfície terrestre. Portanto, o manto terrestre não é estático e em grande parte dele ocorre convecção térmica, a qual é bem semelhante ao que acontece quando a água contida em um recipiente é colocada sobre uma chama. Após decorrido certo tempo, a porção de água situada na base do recipiente onde a temperatura é maior se expande e sua densidade diminui, sendo que esse processo continua até que a densidade fique suficientemente baixa para que seja iniciada sua movimentação em direção à superfície. Ao atingir a superfície, cuja temperatura é menor, a densidade torna a aumentar e a água mergulha em direção à base do recipiente, estabelecendo-se assim o movimento de convecção térmica.
Sob o ponto de vista das propriedades mecânicas, a crosta e o manto são divididos em três grandes camadas, denominadas de litosfera (esfera de rocha), astenosfera (palavra de origem grega que significa "esfera mole, macia ou de baixa resistência") e mesosfera (esfera intermediária separando o manto superior do núcleo terrestre). A litosfera é a região que compreende a crosta e parte do manto superior, sendo sua base definida como a profundidade na qual a temperatura atinge valores de cerca de 1.200°C. Para temperaturas maiores que essa, ou seja, para profundidades maiores, as rochas do manto terrestre deixam de apresentar rigidez e começam a se deformar quando submetidas a esforços de longa duração, ou seja, no tempo geológico. No entanto, essa deformação ocorre no estado sólido, e requer necessariamente altas temperaturas, sendo o processo denominado de arrasto no estado cristalino. Um exemplo de arrasto em um sólido cristalino é o lento movimento de geleiras nos vales.
A litosfera é dividida em grandes blocos, denominados de placas litosféricas, que englobam partes continentais e oceânicas, semelhantes às peças de um quebra-cabeças. Essas placas são rígidas, movimentam-se umas em relação às outras e possuem espessura variável, cuja média situa-se em torno de 100 km.
O manto abaixo da litosfera é dividido em duas regiões, a mais superficial é denominada de astenosfera. Essa região se inicia logo abaixo da litosfera e termina em cerca de 700 km, que corresponde à maior profundidade até hoje registrada como o foco de um terremoto. Na astenosfera ocorrem movimentos de convecção, causados pela acentuada diferença de temperatura entre a base e o topo dessa região, associada à capacidade de fluir de suas rochas no tempo geológico.
A mesosfera se inicia logo abaixo da astenosfera e, embora também exista uma considerável diferença de temperatura entre o seu topo e sua base, situada na interface manto-núcleo, não se sabe com segurança se há convecção nessa região. As pressões existentes nessas profundidades podem inibir o processo de arrasto no estado sólido.
As placas litosféricas são delimitadas por três tipos de bordas que concentram a maior parte da atividade sísmica e magmática da Terra. Nas bordas divergentes ou de construção há a contínua formação de assoalho oceânico nas cadeias submarinas, também denominadas de dorsais oceânicas. Nesses locais, magma basáltico gerado no manto sobe em direção à superfície, sendo adicionado às duas placas que estão se formando e se separando a uma velocidade de poucas dezenas de milímetros por ano. O vulcanismo que ocorre nas dorsais é originado pela fusão parcial das rochas do manto, quando submetidas a pressões mais baixas, devido ao movimento ascendente das correntes de convecção nessas bordas.
À medida que se afasta da dorsal, a litosfera oceânica progressivamente aumenta de espessura e esfria, o que provoca contração de suas rochas e conseqüente aumento de densidade. Quando a litosfera atinge espessuras de cerca de 100 km, o que acontece quando sua idade é em torno de 160 Ma, sua massa é muito alta para continuar boiando sobre a astenosfera. A partir de então a litosfera dobra-se e mergulha para o interior da Terra, em um processo denominado de subducção e, nesses locais, formam-se trincheiras profundas, sendo que as Fossas Marianas possuem a maior profundidade (11 km) até hoje registrada. É nos locais onde há a convergência de placas que se formam grandes cadeias montanhosas, como a Cordilheira dos Andes, onde vulcões ativos ocorrem paralelamente à fossa, localizando-se a cerca de 150 km acima da litosfera em subducção. O Himalaia, os Alpes e as Montanhas Rochosas também se formaram por esse mesmo tipo de processo.
Como rochas da astenosfera apresentam resistência ao processo lento de subducção da litosfera oceânica, o contínuo acúmulo de tensões acaba por atingir o limite de resistência das rochas, provocando ruptura repentina e gerando vibrações que se propagam em todas as direções, ou seja, produzindo abalos sísmicos. Os terremotos delineiam os locais onde as placas litosféricas entram em subducção e ocorrem até profundidades máximas de 700 km, sendo que muitos deles possuem altas magnitudes. Através dos abalos sísmicos ocorridos em zonas de subducção, sabe-se que os ângulos médios de mergulho são de cerca de 45°. Entretanto, esse valor é bem maior em alguns locais, como nas Ilhas Novas Hébridas (cerca de 70°), e menor em outros, como no Chile e Peru (cerca de 30°).
A litosfera oceânica e, conseqüentemente, a crosta oceânica são continuamente recicladas e, por isso, a idade média do assoalho oceânico é de 100 Ma. Entretanto, a litosfera continental não sofre subducção por ser menos densa. Dessa forma, a litosfera continental é preservada nesse processo e esta é a razão pela qual nela são encontradas rochas muito antigas.
As placas litosféricas podem também se deslocar ao longo de falhas transformantes ou bordas de conservação, nas quais não há nem geração e nem destruição de litosfera oceânica, mas apenas movimentação transcorrente, ou seja, deslizamento paralelo de uma placa em relação à outra. Embora nessas bordas não haja atividade vulcânica, as falhas transformantes são caracterizadas por alta sismicidade. Uma das mais conhecidas falhas transformantes é a de San Andreas (EUA), cuja movimentação provocou o grande abalo sísmico ocorrido em São Francisco em 1906. A Falha dos Açores, que passa ao sul de Portugal, foi a responsável pelo grande terremoto ocorrido em Lisboa, o qual foi acompanhado de um tsunami de grandes proporções, que destruíram a cidade em 1755.
O calor existente no interior da Terra governa os processos dinâmicos que ocorrem na superfície. Sabemos hoje que ao longo do tempo geológico supercontinentes se formaram e depois foram fragmentados e esse processo continuará enquanto houver calor. Mesmo para quem não é especialista no assunto, chama a atenção a grande similaridade entre os contornos do leste da América do Sul e do oeste africano, cuja separação iniciou-se há cerca de 145 milhões de anos. Os fenômenos naturais associados à dinâmica interna da Terra são temidos devido ao grande poder de devastação. Entretanto, o homem aprendeu a usar essa energia em seu próprio benefício, já que os materiais expelidos pelos vulcões tornam o solo muito produtivo para a agricultura e fontes termais são utilizadas para a geração de energia. Além disso, grande parte das jazidas minerais, incluindo cobre, ouro e prata, como também o petróleo, encontra-se fortemente associada aos processos que ocorrem nas bordas das placas litosféricas.

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