"PARA TUDO"

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Terra de Canibais eu nao queria esta ai

Não, a situação não está tão ruim. Já esteve muito pior. Evoluímos, crescemos galhardamente. Não esqueçam que aqui já foi uma terra de canibais. Que os índios viviam comendo os bispos pensando que eram sardinhas — uma página da nossa História. A verdade seja dita: não há mais canibais por aí. Se houver, são poucos e discretos: não dá pra se notar. Claro, tem esse Carnaval exageradíssimo, essa festa de arromba que não acaba nunca mais, muito zoada, muito batuque, muito mijo — mas isso se explica. Afinal, não somos ingleses nem dinamarqueses nem tibetanos, somos brasileiros e baianos! Gostamos do batuque. Batuque é alegria. Batuque está no nosso sangue.
Falou em sangue, é verdade que há muito sangue por aí. Sangue dos assaltados, dos chacinados, dos executados. Afinal, isso aqui não é a Suíça. E nem queremos ser suíços, Deus nos livre e guarde! Relógio de ponto, chegar no horário certo, marcar um horário e cumprir? Ah, isso é uma afronta, um desrespeito ao nosso senso de liberdade, que, afinal, é um dos mais altos de todo o Universo. Não se esqueçam que ainda outro dia estávamos nus, andando nas selvas, com nossos tacapes e bordunas. Essas firulas de civilizados nos espantam e molestam. Queremos é a liberdade total. Pra que lei, pra que ordem? Pra que polícia, Justiça pra quê? A Justiça é a minha vontade, que eu quero fazer e tá acabado. Lei é a minha.
Cada um faz o que quer e a bagunça continua. Ah, que delícia uma boa bagunça! Vejam o trânsito, a zoada nas lojas e shoppings: o bum-bum-bum que não para. Afinal, pra que esses gringos vêm pra cá senão pra aproveitar a nossa bagunça? Em qualquer outro lugar do mundo já estariam presos. Aqui não, são estimados e até condecorados. Voltem sempre!
Nós, baianos, há tempo que pelejamos pra nos libertarmos de todas essas esquisitices européias e portuguesas que pululavam por aqui. Tomar banho só no sábado? De jeito nenhum. Ficar falando “pois, pois”? De jeito nenhum. Botar os dedinhos na frente na hora de bocejar? Não. A última moda é abrir bem a bocarra na cara do vizinho, e se possível ainda fazer um ruído compatível, r-r-r-o-o-a-a-r-r, algo semelhante a um leão se espreguiçando — uma demonstração inequívoca de boa saúde. Arrotos também são sempre bem-vindos. Ah, e buzinar bem alto, pra chamar a namorada lá no décimo quinto andar…
Nesse particular somos mestres. Todo mundo buzina. É o povo mais alegre do mundo. Fó-fó-fi-fi-fi o tempo todo. Todo mundo usando a sua buzina. Mas isso se explica: ainda outro dia estávamos na selva, dando nossos uivos e urros, competindo com os animais, as onças, macacos, papagaios, os jacarés dos rios bravios…
No mais, tangas nas praias. Tatuagens indígenas nas peles morenas. Paletó e gravata abolidos, todo mundo com as canelas de fora. Argolas e brincos, inclusive nas orelhas dos morubixabas. Butucas de metal no nariz, na sobrancelha e no umbigo. Segunda-feira ninguém trabalha. Sexta-feira também não. Uma carinha de sono nas terças, quartas e quintas.
Ah, que delícia uma boa bagunça! Vejam o trânsito! A zoada nas lojas e shoppings: o bum-bum-bum que não para! As filas sem fim nos bancos! Todo mundo escuro, moreno, escurinho, escurão. Cor de chocolate. Café com leite. A brancura repugna, estranha: não será que essa mulé tá doente?, que esse cavalheiro tá tuberculoso?
Todo mundo queimado de sol, o sol imperando, o sol da vida. Gelado só sorvete. Praias de água morna. Todo dia é dia de praia. De festa. De cerveja. Viva a dança da galinha!
Estamos todos na taba dos índios. Pedindo a benção ao pajé, ao morubixaba. O morubixaba nunca acaba. Tá aí, presente no nosso analfabetismo, na grossura generalizada, os arranca-tocos e arranca-rabos, a burrice diplomada, as “faculdades” despejando nulidades, cada um com seu anel. Um anel pra botar no nariz. Ou na orelha, virar brinco. E viva o Brasil, que é a terra de nós todos, tapuias e tupis-guaranis.

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